Conjunto de documentos sobre a situação dos presos políticos em Ilha Grande (transcrição)
PRESOS POLÍTICOS DA ILHA GRANDE
21.Maio, 75
Um grupo de senhores esteve no dia de ontem, na sede da ABI, para entregar ao presidente da entidade, a copia do memorial que foi dirigido às autoridades sobre as condições dos presos políticos que se encontram na Ilha Grande.
Na ausência momentânea do Desembargador Elmano Criz, deixaram o documento em seu gabinete, com a formulação de um apelo para que a Associação Brasileira de Imprensa venha prestigiar as moções que estão sendo feitas para a transferência dos aludidos presos para o continente.
Cópia do memoria anexado.
Nota: Entre as assinaturas, foram decifradas:
1 – ZAQUEU JOSÉ BENTO – MR-8 (um sem número de ações armadas)
2 – PAULO ROBERTO JABOUR – MR-8 (idem).
PRESOS POLÍTICOS DA ILHA GRANDE
21.Maio, 75
Um grupo de senhores esteve no dia de ontem, na sede da ABI, para entregar ao presidente da entidade, a copia do memorial que foi dirigido às autoridades sobre as condições dos presos políticos que se encontram na Ilha Grande.
Na ausência momentânea do Desembargador Elmano Criz, deixaram o documento em seu gabinete, com a formulação de um apelo para que a Associação Brasileira de Imprensa venha prestigiar as moções que estão sendo feitas para a transferência dos aludidos presos para o continente.
Cópia do memoria anexado.
Nota: Entre as assinaturas, foram decifradas:
1 – ZAQUEU JOSÉ BENTO – MR-8 (um sem número de ações armadas)
2 – PAULO ROBERTO JABOUR – MR-8 (idem).
3 – ALEX POLARIS DE ALVERGA - VPR (3 sequestros com mortes, condenado à prisão perpétua).
5 – MANOEL HENRIQUE FERREIRA – MR-8 (3 sequestros, prisão perpétua).
6 – CARLOS ALBERTO SALES – (“Soldado”) – VAR-P (entre outras ações, assassínio de uma marinheiro inglês, no RIO)
7 – HELIO DA SILVA (“Nandinho”) – VARP (idem);
12 – FERNANDO PALHA FREIRE – MR8 - (Sequestro de avião no Galeão);
16 – COLOMBO DE SOUZA – MR8 – (idem);
17 – PAULO SERGIO PARANHOS – PCBR (inúmeras ações armadas);
18 – JORGE RAIMUNDO JR (“JIMMY”) – ALN (inúmeras ações armadas);
30 – CLAUDITO TORRES DA SILVA – DI/GB (sequestro embaixador americano);
33 – ROMULO NORONHA DE ALBUQUERQUE – ALN
Exmos. Srs. Senadores e Deputados Federais representantes do Estado do Rio de Janeiro no Congresso Nacional.
Brasília Distrito Federal.
Nós, presos políticos, [À MÃO: ? 1] abaixo-assinados e atualmente cumprindo penas no Instituto Penal Cândido Mendes (Ilha Grande), resolvemos encaminhar este documento a V.Excias. para expor os motivos pelos quais objetivamos nossa transferência para a Cidade do Rio de Janeiro. Compreendendo ser o nosso movimento motivo de interesse preocupação da parte de todos aqueles que se batem pela defesa dos direitos humanos e que nossa reivindicação extrapola o âmbito estadual, gostaríamos de V.Excias. levassem este documento ao conhecimento das autoridades responsáveis por nosso encarceramento e ao povo brasileiro.
Os fatos relatados a seguir só poderão ser entendidos levando-se em conta o terrível significado deste longo período de cárcere, marcado pelas violências e mais tratos que sofremos e pela precariedade material das prisões por onde passamos. Este duro aprendizado [À MÃO: 2] demonstrou que estes ásperos anos constituem um prolongamento das torturas sofridas após nosso aprisionamento. A perspectiva de sermos assassinados [À MÃO: 3] é uma companheira permanente, haja vista os inúmeros casos de torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos ocorridos no Brasil nos últimos anos.
Neste quadro geral, o Presídio da Ilha Grande ocupa um lugar especial, pois as brutalidades praticadas contra presos políticos [À MÃO: 4] e comuns acerca de meio século lhe garantiram a fama de presídio castigo e ternaram este local conhecido como “Ilha do Diabo”.
O presídio encontra-se num estado de colapso estrutural devido ao abandono a que sempre foram relegadas suas instalações, de há muito obsoletas. A falta d’água, [À MÃO: 5] o entupimento constante dos esgotos, acrescidos pela superlotação tornam os cubículos inabitáveis. Não é fornecido nenhuma material de higiene e limpeza. A alimentação é de péssima qualidade, não suprindo nossas necessidades básicas. [À MÃO: 6] Quanto à assistência médico-odontológica o panorama é aterrador. O dentista só aparece na época das férias escolares e o único médico, que serve aos mais de mil internos e à toda população da ilha, não consta com instrumentos e instalações mesmo para atender aos casos mais simples. Decorre daí que os atendimentos de maior gravidade e urgência sejam feitos no continente e isto esbarra não só nas tramitações burocráticas, como nos empecilhos impostos pela distância e limitação dos transportes, implicando em sérios riscos para nossas vidas. [À MÃO: 7] Tal situação fica patente no caso do Coronel do Exército Brasileiro, Jefferson Cardim de Alencar Osório, [À MÃO: 8] recentemente enviado para cá, sofrendo de disritmia e apoplexia, necessitando cuidados médicos especializados e sujeito a frequentes ataques, o que caracteriza um atentado contra sua vida.
O isolamento social e geográfico desta ilha restringe a superação de tais problemas, tanto é que já ouvimos inúmeras promessas e o que constatamos foi um processo de contínuo agravamento. [À MÃO: 9]
No entanto, existe uma outra categoria de problemas, cuja causa fundamental é o próprio isolamento deste presídio e que nos atinge com maios intensidade. Um de seus aspectos diz respeito às nossas visitas, que se limitam a duas por mês, quando a própria lei as prevê semanais. Nossos familiares têm de empreender uma longa viagem, utilizando ônibus, barcas de pescadores alugadas e caminhões, gastando cerca de vinte horas, no percurso de ida e volta, para permanecer conosco somente por três horas. Isto configura uma punição às nossas famílias e uma pena acessória para nós. [À MÃO: 10] A questão persistiria , mesmo que autorizassem visitas semanais, uma vez que a dureza da viagem e os gastos econômicos impediriam que as famílias se beneficiassem dente direito. Deve-se também a este fator que fiquemos privados da assistência jurídica, tanto é que, até hoje, nenhum advogado pôde visitar-nos. Contudo, o aspecto mais grave deste isolamento liga-se aos fato de favorecer enormemente a prática de violências e arbitrariedades contra presos políticos e comuns. [À MÃO: 11] Ainda no início do mês passado, os jornais divulgaram a notícia do assassinato de dois internos deste presídio, vitimas dos espancamentos que sofreram nas mãos de guardas e policiais militares. A este relato poderíamos acrescentar incontáveis outros. [À MÃO: 12] Esta realidade particular, entendida dentro de uma envolvente mais ampla, isto é, das constantes violações dos direitos humanos dos presos políticos brasileiros, levou-nos a concluir que nossa permanência aqui significa a perspectiva de um aniquilamento lento, ou então, uma saída mais rápida, configurada em nosso massacre.
Diante deste risco ampliado que pensa sobre nossas vidas e por sabermos que as principais dificuldades que enfrentamos são determinadas pelo isolamento deste presídio, não tendo, portanto, soluções locais e ainda considerando que a maioria dos prisioneiros políticos existentes no país esteve encarcerada em unidades prisionais dentro dos principais centros urbanos, inclusive na cidade do Rio de Janeiro, [À MÃO: 13] onde existiam e existem presos políticos, passamos a solicitar nossa transferência para essa cidade.
Inúmeras tentativas foram feitas neste sentido. Há um ano, encaminhamos extenso documento ao Senhor Ministro da Justiça denunciando as péssimas condições carcerárias que enfrentávamos e solicitando nossas transferências para o Rio. [À MÃO: 14] Mais recentemente, em março deste ano, enviamos um memorial de mesmo teor aos Senhores Deputados da Assembleia Constituinte do Estado do Rio de Janeiro (cuja cópia encontra-se anexa). Em função disto, no dia 21 de março, uma comissão de deputados estaduais foi recebida em audiência pelo Senhor Secretário de Justiça do Rio de Janeiro, [À MÃO: 15] ocasião em que entregaram cópia memorial e pediram que fosse dado provimento à nossa reivindicação. No dia 26 de março o Senhor Diretor do Departamento do Sistema Penitenciário – DESIPE – doo Estado do Rio de Janeiro esteve aqui e manteve contato conosco, quando aproveitamos para fazer uma exposição sobre nossos problemas, frisando que considerávamos ser a transferência a única solução. No dia 4 de abril “O Estado de São Paulo” publicou declarações desta autoridade afirmando que deveríamos ser transferidos, a curto prazo, para o Rio de Janeiro. Notícias semelhantes foram divulgadas por outros jornais e por emissoras de rádio, deixando entrever uma solução satisfatória.
Entretanto, a chegada de nove presos políticos, entre eles o Coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, vindos do Presídio do Exército (Fortaleza de Santa Cruz), no dia 12 de abril, levou-nos a duvidas dessas in formações, principalmente porque isto acarretou o agravamento de nossas condições carcerárias, gerando superlotação dos cubículos. Nossas suspeitas confirmam-se no dia 23 de abril, quando mantivemos contato com os senhores Diretor do DESIPE e Secretário de Justiça, que estavam em visita a este estabelecimento. Neste ocasião fomos informados que não havia nada de definido quanto nossa transferência e que deveríamos aqui ficar.
Não aceitamos mais esta protelação, [À MÃO: 16] visto que representa uma reafirmação do treinamento policial-repressivo a que vemos sendo submetidos, orientado tão somente para nossa destruição física e psicológica, o que é amplamente facilitado pelo isolamento geográfico-social da Ilha Grande.
Conscientes desta ameaça e vendo esgotadas todas as outras formas de conseguir nossa justa reivindicação, [À MÃO: 17] fomos impelidos a entrar em GREVE DE FOME a partir de hoje, até que seja definida nossa transferência para a cidade do Rio de Janeiro, em um local onde nos sejam garantidos os direitos fundamentais e respeitada nossa dignidade de PRESOS POLÍTICOS. [À MÃO: 18]
Ilha Grande, 5 de maio de 1975
(ASSINATURAS TAMBÉM NO VERSO)