Quebra-quebra em manifestações em São Paulo
Numa segunda-feira, 4 de abril de 1983, o Movimento Contra o Desemprego e a Carestia, organização vinculada ao PC do B, concentrou-se no largo do Treze, tradicional ponto de encontro e de comércio ambulante do bairro de Santo Amaro, em São Paulo, para um ato político. Durante doze horas a região transformou-se em algo que havia décadas não se via. Seis supermercados e cinco padarias foram saqueados. Uma delegacia foi atacada a pedradas e uma viatura policial foi tombada. A Polícia Militar não conseguiu pôr ordem na situação.
Numa segunda-feira, 4 de abril de 1983, o Movimento Contra o Desemprego e a Carestia, organização vinculada ao PC do B, concentrou-se no largo do Treze, tradicional ponto de encontro e de comércio ambulante do bairro de Santo Amaro, em São Paulo, para um ato político. Durante doze horas a região transformou-se em algo que havia décadas não se via. Seis supermercados e cinco padarias foram saqueados. Uma delegacia foi atacada a pedradas e uma viatura policial foi tombada. A Polícia Militar não conseguiu pôr ordem na situação.
Franco Montoro (1983-1987) havia acabado de assumir o governo do estado de São Paulo, vitorioso na eleição de 1982 pelo PMDB. Em Brasília, o presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985) adentrava a segunda metade de seu mandato. O país vivia a bancarrota do Milagre Econômico, a maxidesvalorização da moeda e a tutela das contas públicas pelo Fundo Monetário Internacional. O ano de 1983 começou com a maior taxa mensal de inflação da história e, naquele período, São Paulo contou 1 milhão de desempregados.
O regime se acostumara a encarar adversidades políticas e sociais como ações vindas de fontes manipuladoras. Essa visão burocrática da questão social já o impedira de perceber o tamanho da insatisfação que determinara o resultado eleitoral de 1974 e de entender a origem das greves de 1978. Em todos os casos, para o governo, existiriam instituições ou grupos políticos influenciando as manifestações. Os quebra-quebras em São Paulo, porém, mostravam algo maior.
No dia seguinte, 5 de abril, apesar da promessa do coronel João Pessoa do Nascimento, chefe do policiamento da capital, de que “a dose não deve se repetir”, houve mais revolta. O Serviço Nacional de Informações (SNI) relatou minuciosa e cronologicamente os acontecimentos:
10:45: Manifestantes depredaram, no eixo de Santo Amaro/SP, um supermercado da rede Jumbo. Foram roubadas, inclusive, as máquinas registradoras.
- Cerca de 1.500 elementos encontram-se na avenida Morumbi. Dirigem-se para o Palácio do Governo.
- Um grupo esteve na cidade universitária convidando os estudantes a aderir à passeata e ao comício que será realizado em frente ao Palácio do Governo.
O Movimento Contra o Desemprego e a Carestia marcara uma nova manifestação, que deveria seguir até o palácio dos Bandeirantes.
11:29: Cerca de 3.000 manifestantes encontram-se em frente ao Palácio do Governo.
- O Palácio do Governo está desguarnecido. As ruas, situadas nas proximidades, foram isoladas, com antecedência, para facilitar o acesso dos manifestantes.
O governador Franco Montoro estava no palácio, almoçando com Tancredo Neves e Leonel Brizola.
12:17: O governador paulista recusou-se a receber a comissão formada por 15 manifestantes. Determinou que o chefe da Casa Civil os recebesse. Determinou também que a turba fosse encaminhada para uma praça situada nas proximidades do Palácio.
A multidão derrubou 10 metros de gradil e invadiu os jardins do Palácio. O choque que guarnece o Palácio teve que intervir, sendo apedrejado, revidando com bombas de gás lacrimogêneo.
Os três governadores viram a cena de uma janela do palácio. Da multidão saía um grito novo: “O povo está a fim da cabeça do Delfim”. Delfim Netto era um dos principais ministros de Figueiredo, chefe da equipe econômica e um dos cogitados para sua sucessão presidencial.
14:45: Rádio Bandeirantes — O governador manteve diálogo, no portão principal do Palácio, com uma comissão de manifestantes (total de 17 membros).
- Reivindicações:
1) Ônibus para levar o Comitê de Luta Contra o Desemprego a Brasília, a fim de conversar com o presidente Figueiredo.
2) Jornada de 40 horas semanais.
3) Estabilidade no emprego.
4) Salário-desemprego.
(...)
14:50: O secretário do Trabalho/SP mandou transportar, de ônibus, os manifestantes para Santo Amaro.
O episódio parecia encerrado.
16:00: Piquetes, de 200 a 300 agitadores, estão atuando em diversos pontos de SP — principalmente em Pinheiros, Penha e no centro da cidade. Formam inúmeros focos de agitação, quebram vitrines de casas comerciais e tentam saqueá-las.
- A PM não está intervindo.
- O comércio está fechando suas portas. Os piquetes estão atuando como se fossem movimentos organizados.
(...)
17:00: Continua o quebra-quebra no centro de SP
- Na rua Pamplona, os arruaceiros estão se mobilizando para invadir o supermercado Eldorado.
- Um batalhão de choque está se deslocando para o local.
17:50: [Romeu] Tuma — O comércio das Zonas Sul, Centro e Oeste de SP fechou suas portas.
- Em Osasco o comércio encerrou suas atividades.
- No centro de SP lojas e joalherias foram invadidas e depredadas.
- A PM/SP atua repressivamente nas áreas conflagradas.
- [Guilherme] Afif, presidente da Associação Comercial, deu um ultimato ao secretário de Segurança Pública do estado, para que este garanta a ordem pública, ou então o comércio fechará, a partir de amanhã.
Os tumultos se espalharam pela cidade. Era como se a passeata, vinda não se sabe de onde, estivesse chegando a todos os lugares. O dia terminou com o II Exército de prontidão, um morto e centenas de prisões.
Foto do destaque: SERGIO BEREZOVISKY/ Abril Comunicações S/A