A receita de Samuel Huntington
Em 1973, chegou ao Palácio do Planalto um estudo feito pelo professor americano Samuel Huntington, intitulado Approaches to political decompression (“Abordagens para descompressão política”), que delineava as opções para a liberalização política do regime instalado no Brasil em 1964. Com dezesseis páginas, o documento comparava a política brasileira à de outros regimes autoritários, especialmente o mexicano, para propor medidas de distensão controladas pelo governo.
Em 1973, chegou ao Palácio do Planalto um estudo feito pelo professor americano Samuel Huntington, intitulado Approaches to political decompression (“Abordagens para descompressão política”), que delineava as opções para a liberalização política do regime instalado no Brasil em 1964. Com dezesseis páginas, o documento comparava a política brasileira à de outros regimes autoritários, especialmente o mexicano, para propor medidas de distensão controladas pelo governo.
Huntington era uma estrela da ciência política americana na época. Falecido em 2008, passou quase meio século lecionando em Harvard. Seu livro A ordem política nas sociedades em mudança, publicado em 1968, defendia que países em desenvolvimento dependiam de alto grau de ordem política, de forma democrática ou não, para atravessar o período caótico de modernização econômica sem se desintegrar.
O documento entregue ao governo desenvolvia ideias similares. Seu principal argumento era a necessidade de institucionalizar os mecanismos que promoveriam a descompressão política, aumentando a participação popular na escolha dos governantes e liberalizando gradualmente o regime de exceção que limitava as liberdades civis. Era importante para Huntington que o processo de descompressão partisse do governo para que fosse legitimado.
No começo de 1974, o professor visitou o Brasil e encontrou-se com Golbery, que em poucos meses assumiria a chefia do Gabinete Civil do governo Geisel — Golbery era um dos idealizadores e maiores defensores da distensão “lenta, gradual e segura” do regime. A visita ficou registrada em uma carta de agradecimento enviada por Huntington a Golbery. As quatro páginas da carta detalham os pontos da conversa mantida por eles.
Nela, além de retomar as sugestões do documento escrito no ano anterior, Huntington fazia uma sugestão inusitada: para que o sistema de governo brasileiro se aperfeiçoasse e “emergisse como um modelo relevante e único no mundo”, aconselhava comissionar um grupo de cientistas sociais, brasileiros e estrangeiros, para realizar pesquisas sobre como melhorar o sistema e organizar uma conferência internacional no Rio de Janeiro em dois anos.
Tais pesquisas, segundo ele, poderiam levar a mudanças no sistema, com o objetivo de torná-lo mais estável. “Pesquisa em ciências sociais pode fornecer dados e informações relevantes para resolver essas questões”, como a ampliação do Colégio Eleitoral, o fortalecimento do Congresso e dos partidos políticos com a finalidade de “preparar o caminho para moderar ou eliminar o AI-5”.