Golbery não falava, mas escrevia tudo
Autointitulado “Ministro do Silêncio”, o general deixou 51 documentos com análises sobre a situação do país
O general Golbery costumava dizer que caminhava como os índios, “apagando o rastro”. Ao longo de 26 anos, de 1961 a 1987, quando morreu, esteve próximo do centro do poder e conseguiu fazer isso. Criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), foi chefe do Gabinete Civil de 1964 a 1981, poucas vezes falou em público e justificou plenamente o apelido que ele próprio inventou: “Ministro do Silêncio”.
Clique aqui para acessar as análises de Golbery.
O general Golbery costumava dizer que caminhava como os índios, “apagando o rastro”. Ao longo de 26 anos, de 1961 a 1987, quando morreu, esteve próximo do centro do poder e conseguiu fazer isso. Criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), foi chefe do Gabinete Civil de 1964 a 1981, poucas vezes falou em público e justificou plenamente o apelido que ele próprio inventou: “Ministro do Silêncio”.
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Apagava o rastro mas preservava a memória. Disso resultou que o personagem da ditadura que menos falou foi o que mais escreveu. Desde 1961, quando seguiu para o Conselho de Segurança Nacional durante o governo Jânio Quadros, até 1967, quando deixou a chefia do SNI, produziu dezenas de análises semanais que encaminhava ao presidente da República.
Manteve essa rotina mesmo no curto período em que trabalhou no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), entidade que agrupava empresários descontentes com o governo de João Goulart. Ele e Heitor Ferreira, seu escudeiro e amigo, preservaram 51 documentos que agora estão no arquivo deste site. (Alguns foram esparsamente localizados, sem que a autoria fosse conhecida. O general apagara o rastro.)
Sua primeira “Estimativa” é de março de 1961. Documento “ultrassecreto”, previa “agitações sociais e mesmo perturbação da ordem” entre o segundo semestre e o início de 1962. O general batalhava pela criação de um aparelho de segurança interna dentro do governo. Mal sabia que a crise viria do próprio presidente Jânio Quadros, com sua renúncia.
Em 1964, tendo criado o SNI, acusava Carlos Lacerda, governador da Guanabara, de combater as reformas do governo Castello Branco por ter um plano “eleitoral-golpista”, flertando com os militares radicais da “linha dura”. (Lacerda, por sua vez, acusava-o de levar ao presidente informações falsas.)
Algumas vezes, foi profético, como em 31 de agosto de 1964: “Somente o reenquadramento das Forças Armadas em suas atividades profissionais (…) permitirá trazer motivações de outra natureza às energias que hoje se estiolam em atitudes negativistas”. Em setembro de 1964 previu “ações guerrilheiras” e “incursões e correrias fronteiriças” de adversários do governo no Sul do país. Meses depois, de fato, um ex-coronel comandou uma coluna guerrilheira na região de Foz do Iguaçu. Durou apenas alguns dias.
Em outras, enganou-se. Denunciava a indisciplina da “linha dura”, mas via nas denúncias de torturas um “balão propagandístico”. Achava que os Estados Unidos lutavam no Vietnã “sem quaisquer perspectivas favoráveis”, porém, em agosto de 1964, registrou que houvera um “recrudescimento da Guerra Fria no Sudeste Asiático, por parte dos comunistas chineses, sem maiores consequências para os EUA e o mundo ocidental”. Um incidente ocorrido com navios americanos no golfo de Tonkin levou o Congresso americano a expandir os poderes da Casa Branca na guerra do Vietnã. A iniciativa tornou-se um marco no engano do aprofundamento da participação dos Estados Unidos no conflito e destruiu a presidência de Lyndon Johnson.