O caso do livro que citou o Brasil como exemplo de regime fascista
Por pressão de intelectuais brasileiros que apoiavam o regime militar, economista americano ganhador do Nobel alterou trecho de seu mais importante livro
A nona edição do livro Economics, um clássico de 1948 do americano Paul Samuelson que definiu as bases da economia moderna, gerou controvérsia no Brasil. Lançada nos Estados Unidos no segundo semestre de 1973, essa edição incluía o Brasil na seção “Fascismo”, ao lado de outras ditaduras (como a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler), e descredenciava o sucesso econômico desses regimes, considerando-o de “curto prazo”. Tal afirmação incomodou profundamente o então dono da editora Agir, Cândido Guinle de Paula Machado, que editava o livro no Brasil desde 1952 em sua versão original e que era amigo do general Golbery do Couto e Silva desde os tempos do IPÊS e do SNI.
A nona edição do livro Economics, um clássico de 1948 do americano Paul Samuelson que definiu as bases da economia moderna, gerou controvérsia no Brasil. Lançada nos Estados Unidos no segundo semestre de 1973, essa edição incluía o Brasil na seção “Fascismo”, ao lado de outras ditaduras (como a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler), e descredenciava o sucesso econômico desses regimes, considerando-o de “curto prazo”. Tal afirmação incomodou profundamente o então dono da editora Agir, Cândido Guinle de Paula Machado, que editava o livro no Brasil desde 1952 em sua versão original e que era amigo do general Golbery do Couto e Silva desde os tempos do IPÊS e do SNI. Tratava-se de livro de peso: escrito pelo ganhador do Nobel de Economia de 1970, era um manual prestigiado nos cursos de economia – a ponto de o Ministério da Educação ter ajudado a patrocinar uma das edições – que contabilizava mais de 100 mil exemplares vendidos no país.
Inicialmente, Cândido fez chegar uma carta à editora de Economics, a Mc Graw Hill, condenando a associação do Brasil com o fascismo feita por Samuelson. Em outra frente, resolveu mobilizar intelectuais para convencer o autor a reescrever o trecho. Assim, Eugenio Gudin, ex-ministro da Fazenda, e Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento, enviaram cartas a Samuelson a fim de convencê-lo de que o Brasil não se enquadrava na situação descrita no livro. A carta da Agir, despachada em 8 de novembro de 1973, deixou claro a Samuelson que um simples corte da referência ao Brasil não seria suficiente. Julgando que o Brasil merecesse “alguma menção” no livro por seu tamanho, a Agir sugeria que o autor escrevesse de modo a “não ofender os brasileiros”. Expressava ainda que a motivação para a solicitação não vinha das autoridades, mas da preocupação com “a pura verdade e com o leitor”. Por fim, era dito que a falta de resolução do caso levaria a editora a “pular esta edição e esperar pela décima”.
Eugenio Gudin mandou a sua carta a Samuelson alguns dias depois da enviada pela Agir, com cópia para o economista Gottfried Haberler, amigo de ambos. Ele defendia que o Brasil não vivia sob uma ditadura, mas em um “regime paramilitar”, no qual “a supressão das liberdades (...) era uma coisa do passado”. A carta foi desnecessária, pois Samuelson já havia concordado em alterar o texto em sua resposta para a Agir. Aceitara eliminar a menção à “junta militar” no caso do Brasil e fornecera uma nova versão do parágrafo sobre o “curto prazo” do sucesso econômico. Um cartão de Cândido Guinle endereçado a Golbery demonstra sua satisfação com o desfecho do caso.
Um mês depois, tardiamente, foi a vez de Roberto Campos se comunicar com o economista. Na carta mais longa de todas, expressou sua admiração pelo livro, buscando corrigir os comentários sobre o Brasil que lhe pareceram “casuais e superficiais”, “indignos da análise profunda” do restante da obra. Assim como Gudin, Campos arriscou uma definição alternativa para o regime brasileiro, chamando-o de “autoritarismo consentido”. Sobre as denúncias de abuso dos direitos humanos, afirmou que “seria injusto confundir acidentes de brutalidade policial com uma política deliberada de repressão policial e punições físicas”. Prosseguia dizendo que “democracias sólidas podem se dar o luxo de ignorar a diferença entre ‘oposição’ e ‘subversão’”.
A resposta de Samuelson a Campos chegou duas semanas depois. Nela, o Prêmio Nobel reforçava sua justificativa dada anteriormente a Gudin: “não tenho a pretensão de me responsabilizar por quaisquer traduções”. Finalizava explicando que não se ressentia do sucesso econômico brasileiro: “procurei expressar que, às vezes, a democracia participativa parece ser considerada incompatível com ótimo desenvolvimento econômico”.
Nove anos depois do imbróglio, a crise da dívida externa derrubava a economia brasileira. Enquanto a edição americana advertira seus leitores do risco do “curto prazo” do sucesso econômico nos regimes fascistas – sucesso que no Brasil ganhou o nome de “milagre econômico” –, a edição brasileira do livro omitira essa previsão. Assim, com a ação de Gudin, Campos e da editora Agir, e a ajuda do próprio Paul Samuelson, o leitor brasileiro não ficou sabendo que o “milagre” seria efêmero.
Na edição brasileira que foi para as livrarias em 1975 – a nona edição americana saiu aqui como oitava –, os quatro parágrafos que abordavam o Brasil foram cortados, assim como a citação das juntas militares brasileira e grega como exemplos de fascismo. No entanto, num determinado trecho, o editor brasileiro, provavelmente por descuido, deixou intacta uma referência ao Brasil em que o autor cita o país como exemplo da discussão que abordaria no capítulo seguinte: justamente o fascismo.