Carta enviada a Heitor Ferreira (a quem chama de Holmes) por Sérgio Barcelos (Watson), diretor da Petrobras (transcrição)
PETROBRAS
PETRÓLEO BRASILEIRO S.A.
Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1974
Prezado Holmes,
Ando lendo as notícias e comentários a propósito dos planos e programas da Investimentos Brasileiros S.A. – IBRASA. Julgo que há um erro básico de concepção com respeito a essa Empresa. E tal erro funda-se no fato de se ter optado pela injeção direta de recursos nas corporações industriais, através das associações com o BNDE, ao invés de se procurar fortalecer a via natural de geração desses recursos, qual seja, o mercado de capitais. [À MÃO: la bête noir]
Vou tentar ser um pouco mais claro.
PETROBRAS
PETRÓLEO BRASILEIRO S.A.
Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1974
Prezado Holmes,
Ando lendo as notícias e comentários a propósito dos planos e programas da Investimentos Brasileiros S.A. – IBRASA. Julgo que há um erro básico de concepção com respeito a essa Empresa. E tal erro funda-se no fato de se ter optado pela injeção direta de recursos nas corporações industriais, através das associações com o BNDE, ao invés de se procurar fortalecer a via natural de geração desses recursos, qual seja, o mercado de capitais. [À MÃO: la bête noir]
Vou tentar ser um pouco mais claro.
Negócio é o seguinte: a IBRASA – mediante a tomada, pelo BNDE, de participações acionárias minoritárias – fornece recursos às indústrias que necessitam emitir capital.
Exemplo: a Fundição TUPY, desejando – ou precisando – financiar planos de expansão ou melhorar sua produção, ao invés de recorrer ao mercado de capitais, solicita da IBRASA a compra de participação acionária em seu capital. A IBRASA analisa o pedido e realiza ou não o negócio. No caso, realizou.
Isto, meu caro amigo, é um negócio dramático em termos de concepção, porque fixa a escolha de um caminho. Certamente o mais fácil, o mais direto, mas também o de menor criatividade e de alcance questionável. [À MÃO: !]
E as razões são óbvias, porque ao provocar a absorção direta o Governo está:
(i) abrindo os flancos à crítica dos que pregam contra a estatização da economia [À MÃO: e daí?]
(ii) demonstrando, à saciedade, que não acredita no mercado de capitais [À MÃO: [ILEGÍVEL] hoje?]
(iii) pulverizando recursos próprios para atender certamente “uns poucos privilegiados [À MÃO: e que interessam mais ao desenvolvimento do país] que conseguem [À MÃO: ILEGÍVEL] ter acesso ao esquema BNDE – IBRASA, isto é, as grandes indústrias”
(iv) “criando um sem-número de participações de difícil controle no futuro; em outras palavras, comprando problemas” [À MÃO: talvez]
(v) finalmente, inflacionando, porque esse dinheiro tem sempre um custo, é claro, para o industrial beneficiado. [À MÃO: talvez]
PS. As assertivas entre aspas não são minhas, mas resolvi considerá-las por parecerem razoáveis. [À MÃO: [ILEGÍVEL] E o custo é bem menor]
Vamos adiante.
Li também que o volume de recursos de que a Ibrasa dispõe para jogar nesse programa ascende, em ’75, a Cr$ 1 bilhão.
Todo mundo no BNDE muito animado, já começaram a recrutar jovens talentos para as diversas Diretorias da firma, fixaram-se os salários do pessoal do segundo escalão, o MARCOS VIANNA já se acha uma segunda encarnação de Moisés, tirando água de pedra, enfim uma completa badalação. [À MÃO: aí, vai mal mesmo]
Volto à cifra anterior para gravá-la bem: Cr$ 1 bilhão “destinados a resolver a questão das emissões de capital”.
Agora, um pequeno dado: em 1971, 1972 e princípios de 1973, durante dois anos e meio, portanto, conseguiu-se que a poupança pública canalizada para o MERCADO DE CAPITAIS absorvesse Cr$ 12 bilhões (doze bilhões) das emissões de capital das indústrias (“underwritings” e subscrições). E o Governo não botou um tostão nisso! [À MÃO: ILEGÍVEL]
Você pode não se lembrar, mas o Deus da Guerra se lembra da briga de foice que havia para se conseguir subscrever ações novas de Empresas como a METAL LEVE, por exemplo.
Era preciso até pistolão. Hoje, é preciso uma IBRASA. [À MÃO: acabou a loucura]
E você sabe a razão. Sabe sim. É que estão deixando os potros soltos no piquete e eles já começam a dar cabeçada na cerca. Perderam o rumo certamente. Numa palavra: trocaram o estímulo ao MERCADO DE CAPITAIS por instrumentos artificiais, de alcance aleatório, como sói acontecer com o monstrengo em espécie. [À MÃO: !]
(Vou recuperar a calma.) [À MÃO: é bom.]
Julgo ser intolerável a “ótica do enfoque” IBRASA vs. MERCADO DE CAPITAIS.
Já disse uma vez e vou repetir até a exaustão: com Cr$ 1 bilhão você soergue o mercado secundário, ativa o primário, cria o de balcão e possibilita que os benefícios da emissão estejam ao alcance de todos, democraticamente, além de engajar o público no processo econômico. [À MÃO: cria [ILEGÍVEL] saco sem fundo]
Ao contrário, vamos novamente nos enclausurar, jogando nas costas do Estado a responsabilidade pela condução dos negócios privados. É claro, pois a “participação acionária” não exime a “responsabilidade gerencial”. [À MÃO: seta]
Sei que é muito salutar à personalidade czarista do MARCOS VIANNA – esse eu conheço melhor que ninguém – decidir sobre os pedidos de recursos que serão dirigidos ao BNDE, via IBRASA. [À MÃO: qual é o [ILEGÍVEL]]
Não sei é até que ponto isso atende aos interesses da coletividade.
Peço só que você se lembre que a emissão de capital através de um mercado fortalecido significa, antes de tudo, dinheiro à vista para o industrial, sem juros.
Enfim, penso que a ideia está furada e muita gente boa já viu isso ...
Melhor seria que esses recursos fossem canalizados para fortalecer o MERCADO DE CAPITAIS, sem a criação de instrumentos paralelos. [À MÃO: não adianta]
A única dúvida que você pode ter refere-se ao fato de que, nem sempre, algumas indústrias conseguem vender suas emissões ao público.
Nesse caso, é porque, como aplicação de dinheiro, tais indústrias não oferecem boas perspectivas de retorno.
O raciocínio vale para a IBRASA também, isto é, se o argumento for o de que o público só subscreve bons negócios, com mais forte razão o Estado deve fazer o mesmo. Até como exemplo.
Numa palavra, acho que ficaria satisfeito se ao invés da Investimentos Brasileiros S.A. – IBRASA o Governo tivesse criado, como os japoneses fizeram, a “Investimentos no Mercado de Capitais S.A. – IMECASA”, para fortalecer esse importante instrumento do desenvolvimento econômico brasileiro.
Abraços, do
[À MÃO: Watson]