“De vez em quando se pode errar. Não é?”
A censura que marcou a ditadura militar por vezes surpreendia até mesmo os membros mais graduados do regime. Um exemplo ocorreu em 1976, quando o governo Geisel proibiu a exibição na TV do espetáculo Romeu e Julieta do Balé Bolshoi, uma das mais importantes companhias de balé do mundo. O programa seria exibido em mais de cem países, por ocasião do aniversário de duzentos anos do grupo russo. Mas, em plena Guerra Fria, tudo o que vinha da União Soviética era visto com desconfiança e a máquina governamental cancelou a transmissão, que seria realizada pela Rede Globo.
A censura que marcou a ditadura militar por vezes surpreendia até mesmo os membros mais graduados do regime. Um exemplo ocorreu em 1976, quando o governo Geisel proibiu a exibição na TV do espetáculo Romeu e Julieta do Balé Bolshoi, uma das mais importantes companhias de balé do mundo. O programa seria exibido em mais de cem países, por ocasião do aniversário de duzentos anos do grupo russo. Mas, em plena Guerra Fria, tudo o que vinha da União Soviética era visto com desconfiança e a máquina governamental cancelou a transmissão, que seria realizada pela Rede Globo.
O episódio não foi bem recebido nem nos quartéis, como atesta um longo bilhete de Heitor Ferreira, secretário particular de Geisel. Tomando o cuidado de “transmitir uma opinião que não é mais minha”, Heitor descreveu a impressão de grupos militares a respeito da medida, lamentando a falta de consulta do presidente a Golbery, chefe do Gabinete Civil, e a ele:
Uma lástima que o senhor não cheque mais certas coisas sem importância com seus amigos. Ao que me consta, nem mais com Golbery.
A proibição do ballet teve a pior repercussão que o senhor possa imaginar. De início, pensei que — como sempre — eram apenas eu e meia dúzia de gente mais chegada que, incompreensiva para os grandes problemas da subversão, se surpreendera desagradavelmente com o que nos pareceu “o extremo”.
Mas hoje, na Vila Militar, me encheram com esse negócio. Que foi obscurantismo, que perdemos votos, que era videotape sem perigo. Até o Pires (...)!
Então me animei a lhe transmitir uma opinião que não é mais minha — eu não tenho mais opinião — de que foi um desastre. Quem fez, não sei: Que razões inteligentes terá havido, não é para meu bico. A opinião é péssima. Desculpe.
Se o senhor ficar brabo (...) ou perguntar se eu quero sentar na sua cadeira — as razões que me ocorrem — desculpe duas vezes; não desejo amolá-lo; quero que o senhor passe sempre muito bem e contente. Interpreto como obrigação lhe dizer o que todos me falaram. Não me dá o menor gosto aporrinhá-lo.
A resposta do presidente, escrita no mesmo papel, foi amena e conciliatória. “De acordo. Mas de vez em quando se pode errar. Não é?”